Frase do Dia

Frase ao léu (tomara que ele leia): "Amor, só de mão."

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Retrato Mal Falado



Por mais que me esforce, sou incapaz de reprimir a antipatia que sinto pelos (...).
No entanto, eles se consideram ótimas pessoas, alguns até se jactando de serem melhores cidadãos que nós outros.
Bem observados os (...) são exploradores, sovinas. O queixinho caído e a maneira falsamente displicente de executar as vítimas de transações comerciais, aquele risinho de Madona decadente, tudo denuncia uma avareza a toda prova.
Por paradoxal que pareça os (...) não emprestam dinheiro a quem precisa. Para fazê-lo, exigem muito mais garantia do que seríamos capazes de apresentar. Para nos emprestar (...) chegam a pedir certificado de propriedade dez vezes superior ao capital investido. E são pontuais na cobrança de taxas por eles mesmos inventadas.
Como corruptos, fazem tudo à perfeição. Prudentes, entregam seu serviço a funcionário de inteira confiança (“crias da casa”). Raramente, suas tramóias vêm à tona.
São entreguistas, embora insistam em manter uma imagem de nacionalistas. É simples o raciocínio que os justifica: como o dinheiro é universal e seu negócio é dinheiro, acham justo, para consegui-lo, vender tudo que estiver ao alcance de sua mão ou à mão do comprador. Favorecem estrangeiros, torcem a coisa a favor deles, insinuam-se. Vejam se minto: na venda de terras, entrega de minas, empresas nacionais, cessão de direitos, aqui, para instalações de empresas reinóis, tem sempre um grande (...) por trás. E são espertíssimos em forjar documentos. Cheques com assinatura ilegível, documento omitindo sutilmente o direito ou a serventia, altas transas comerciais em que ganham os tubos sem investir um tostão.
O (...) é amigo do rei do momento. Baseia sua amizade num critério curioso: quem está acima é amigo e quem está por baixo é inimigo figadal. Por isso é radicalmente contra a quebra da hierarquia. Se algum dia, digamos, houvesse uma virada de mesa, o (...) sofreria terrivelmente. Pois ele é inerente a este sistema.
Quanto à vida privada, tem-se modificado um pouco seu comportamento.
Antigamente, era muito desregrado, embora se divertisse com os colegas, num círculo restrito. Já foi o tempo em que os jornais exibiam fotos denunciando escândalos de (...) em festinhas, orgias, bacanais. Hoje, graças a denúncias de tentativas de eliminar seus lucros fabulosos, por parte de uns raros gatos pingados, o (...) anda muito discreto.
Sim, continua usando drogas, cigarros e bebidas importados qualquer membro exótico de nossa elite, mas poucas pessoas, além dos contrabandistas, sabem disso.
Em matéria de dinheiro, o (...) só esbanja o meu, o seu, o nosso. Em se tratando do próprio bolso, nunca ultrapassa os limites de suas mordomias.
O (...) costuma ser dedo-duro. E se julga com a razão, pois encara os opositores como inimigos em qualquer situação. Sabem, quem tem a consciência suja não acredita em lealdade.
Apesar dos discursos progressistas, o (...) é antidemocrático. Só admite depois de assumir. E só quando precisa neutralizar um mandante. Mas após se transformar no manda-chuva do momento, o (...) se torna arrogante, mete logo a colher sinistra pra misturar “as massas”, o que sempre dá péssimo resultado para as ditas. Nesses casos, se reclamam demais, ordena fechar jornais, câmaras, congresso, alegando “tumulto no processo”.
Em síntese: além de desnecessário, o (...) é, normalmente, inimigo do povo.
É bom não lhe dar as costas.

Linguagem do Tempo do Onça



Antigamente se falava de uma forma bem mais rica, por estranho que pareça, do que hoje em dia, em que os monossílabos levam a comer palavras importantes para o entendimento da comunicação.
Desde que percebi a diferença entre a linguagem atual e a de priscas eras, comecei a colecionar, anotando em meu canhenho termos considerados supimpas, que não perduram, juntamente com os de somenos, que também vão aos poucos desaparecendo.
Hoje em dia, por exemplo, quem está irritado não se abespinha nem chega às vias de fato. Mas não quer dizer que, à espera dos bucaneiros, centuriões não ensarilhem suas armas como nos tempos de antanho.
Os covardes não dão mais às de Vila Diogo. Não mais se transige ou se aquiesce. Nota-se que os cavalheiros de outrora seriam mais dúcteis, se assim podemos dizer.
Acabaram-se as tezes de alabastro, os lábios de carmim. As moças airosas não se casam mais, somente por dote, com mancebos sensaborões.
Nada é como dantes no quartel de Abrantes.
Não se olha de soslaio, nem mesmo para reparar na recôndita pucritude. Não mais se exaspera à exaustão diante da procrastinação, cada qual com suas idiossincrasias.
O choro é discreto, não se prorrompe mais em prantos, vertendo lágrimas de sangue. É raro um seio túrgido, peixes não mais pululam nos lagos, almocreves não carregam papéis em alforjes, picuás ou bocapios.
Bem banhados, não mais tresandamos a bodum.
Ninguém é salvo num átimo ou escapa por um triz. Não se enfrenta contenda por dá cá aquela palha, não se misturam água e azeite, é lé com lé, cré com cré.
Tocaias com bacamartes ou carabinas, solução para vendeta, não mais acontecem à luz do sol. E não se chega às escaramuças por dez réis de mel coado.
Não se bate na cangalha para o burro entender, acabaram os resignados pulhas e os párias definitivos.
Fim da socapa, adeus de mão fechada à sorrelfa. E não se escrevem mais algaravias.
Mas, como antes, poderosos não dão com os costados no xilindró. Só os pobres continuam obnubilados pelas medidas da corte. Bucéfalos ainda trafegam pelo Senado.
Se esqueceu a lhanesa nos idos de março e não se tugiu nem mugiu por isso.
Há mais rigor com a proteção à infância. Não se cometem, aos olhos dos pequerruchos, cenas estupefacientes, quando amiúde pais faziam troça, vista grossa e ouvidos de mercador a seus ais e só os inimigos do vilão tinham olhos de lince para ver e denunciar. Mas raramente os pegavam de afogadilho.
Não mais se conclui com destarte, nem se defende o bastião com brio.
Ainda se evacuam ambientes carregados, é certo, mas nunca se pegam os estroinas, os biltres e os achacadores ou os escarnecedores, que, antigamente, pegos com a boca na botija, eram obrigados a pedir intercessão de algum preceptor e lamentar-se, pranteando às catadupas.
Como diria o velho Bruxo do Cosme Velho, mudou o Natal ou mudamos nós?

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Cadeia alimentar

Confesso que me escandaliza o fato de termos que matar para comer (ou mandar matar, o que nos livra do remorso). Para sobreviver, todo animal ao nosso redor tem que ser anoréxico. Pegou um corpinho, a gente começa a sorrir para ele de maneira suspeita.
Se as galinhas soubessem ler, gelariam ao ver anúncios como: “Frango abatido na hora”.
- São os nossos filhos, diriam, com lágrimas nos olhos.
Assim que a loja (“Boutique de frango”!) fosse aberta, entraria a freguesa à cata de novidades, riso cruel para os frangos. E ainda lhes exigiria o sangue para o sagrado molho pardo.
Pensem num boi, no restaurante, ouvindo o cliente pedir ao garçom:
- Quero meu bife sangrando.
Se o boi soubesse que, retirado do pasto para entrar num caminhão, está selando seu destino, diria para o boiadeiro:
- Dê o endereço do matadouro, que eu vou a pé mesmo.
E, claro, desapareceria no mato, mesmo correndo o risco de ser comido por outro bicho.
Os bois espertos comeriam ervas emagrecedoras para viverem mais.
Humor negro: porco esclarecendo, ao mostrar para o colega uma rodilha de linguiça:
- Depois de moídos, entramos por essa tripa. No supermercado chamam isso de embutido.
A porcada riria até chorar.
Deve ser do primeiro porco que viu alguém vindo com a faca pro seu lado a frase:
- É agora que a porca torce o rabo.
É triste ter que comer para sobreviver, tanto tempo após termos deixado a irracionalidade. Inventamos a ética, a filosofia, a psicologia, a civilização, a cidadania (bois e porcos, por serem rurais, não têm o direito de serem cidadãos?), mas não conseguimos nos livrar do magarefe, do pescador e até do verdureiro.
Sim, pois estudiosos já concluíram que tudo no mundo tem sentimentos, dores e angústias, a começar por árvores, verduras e legumes. Daí que não tem sentido e constitui das maiores crueldades uma salada de tomate, alface, pepino, a salsinha correndo por fora.
Das duas, uma: ou está certo o urso, que consegue viver de mel, o que não mata ninguém, ou o certo fosse como antigamente, quando nos comíamos uns aos outros. Pelo menos era digno: a lei do mais forte, quando todos os que hoje comiam poderiam, amanhã, experimentar o reverso da medalha. Por isso as mulheres fugiam às léguas dos homens que, nas calçadas de então, lhes diziam:
- Gostosa.
E os homens cortavam caminho para evitar os fortões vestidos de couro que os elogiavam:
- Que mocotó.
A lei do mais forte implicava que o amigo de hoje podia ser o almoço de amanhã. Não havia, aliás, amizades e sim interesses.
- Tô cultivando o cara, segredavam os mais políticos.
Os magros só seriam descobertos em tempo de crise (daí a expressão “vacas magras”).
Tem a ver, denominar nosso ciclo de sobrevivência física de “cadeia alimentar”.
É que estamos realmente presos. E o carcereiro fugiu e jogou a chave fora.